segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

28 de Fevereiro homenagem a Maria Eugénia Neto


Maria Eugénia Neto nasceu em 1934, em Trás dos Montes(Portugal) e cresceu em Lisboa.
Estudou desenho e línguas estrangeiras e participou nos coros do Conservatório Nacional Português. Publicou os seus primeiros poemas e artigos na imprensa portuguesa. Em 1948, num círculo de intelectuais africanos conhece Agostinho Neto (ver o verbete no link Bio-quem), com quem viria a casar-se dez anos depois. Durante a luta armada de libertação nacional contribui intensamente na divulgação de poemas em programas de rádio e com artigos e poemas em jornais no estrangeiro. Chegada a Angola foi directora do boletim da Organização da Mulher Angolana que era traduzido em francês e inglês. Publicou entre outros títulos: «...E nas florestas os bichos falaram» (conto/1977), livro que mereceu o Prémio de Honra da comissão cultural da então RDA e o de exposição no certame «Os mais belos livros do mundo», realizada em Leipzig, «Foi esperança e foi certeza» (poemas, Luanda 1976 - 1ª edição, Luanda, 1985 - 2ªedição), «O soar dos kissanges» (Luanda, 2000). A autora encontra-se traduzida em diversas línguas.
Sobre a sua poética diz Eugénia Neto: "Em foi «Esperança e foi certeza»(poemas,1976) apercebem-se vários sentimentos, múltiplas emoções. O leitor compartilha a amargura nas horas solitárias, a ausência dos maridos, dos pais, ou de um camarada, partido para sempre!"
O lusófilo norte-americano Gerard Moser recorda, no livro de ensaios e testemunhos «Voz igual», que «foi na Tanzânia que Eugénia cessou de escrever poemas em que dava vazão a sentimentos individuais. Em vez disso, começou a cultivar um género ensaiado poucas vezes antes, o encómio das vidas heróicas, sacrificados pela independência e a revolução, vidas de guerrilheiros e guerrilheiras. Nem por isso ele, esqueceu as vítimas anónimas da guerra: os meninos de pais ausentes ou mortos, as mães de filhos combatentes, a terra queimada. Também orientou a sua poesia e prosa até um novo sentido, parecido ao da poesia escrita outrora pelo marido. Por meio de poemas e artigos, quis alertar os Angolanos para que perseverassem na luta, não perdessem eles a esperança na vitória final e tivessem sempre em mente a visão de um futuro de paz e liberdade.»
Gerard Moser realça também que: «Talvez fossem os escritos elegíacos que ela compôs à memória dos militantes do MPLA o que mais singularizou a sua obra desde os anos setenta até que começou a criar literatura infantil.»
Por seu turno, o crítico literário português, Pires Larangeira, destaca que «Em síntese, o livro(o soar dos quissanges), inclui poemas de amor ao povo angolano(ou seja, a um dos principais pilares da força e da vitalidade fértil da nação), ao marido, recordando a luta política, honrando a sua memória, referindo e aludindo intertextualmente à sua poesia, considerando Sagrada Esperança, «bíblia» do país, outros poemas referem ou relacionam-se com o continente africano; a juventude é invocada como entidade na qual se deve depositar confiança para os desafios do futuro angolano; finalmente, coexistem duas series de poemas, que, de um modo surpreendente, instalam alguma contradição filosófica: uns são dialécticos, tematizando a matéria e a anti-matéria, em que aquela se corporifica em amor, paz, bondade, pensamento, civilização, consciência e verdade; e os outros delineiam os contornos de uma transcendência, de ressonância franciscana ou de louvação ao Senhor cristão».
Pires Laranjeira, professor auxiliar da Faculdade de Letras de Coimbra, responsável pela cadeira de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, mestre em literaturas brasileira e africana pela faculdade de Letras de Lisboa (1985) e Doutorado nessa temática (1994), acrescenta que «Deparamo-nos assim, agora, com a passagem para que o que parece ser uma renovada esperança no ideário legado por Agostinho Neto, o «Pai da Pátria», uma vez que este livro exprime a saga da criação universal, mas também poetiza dramaticamente, em tom tanto de lamento quanto de exortação, a desgraça que assolou o país e a necessidade de uma metamorfose, podendo mesmo falar-se em redenção, perante o descalabro da guerra e da miséria infligida ao povo angolano.»
Aquele especialista, autor do livro «Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, editado pela Universidade Aberta (1995), enfatiza ainda que «O discurso poético de Eugénia Neto percorre o traçado original sacrificial de uma saudosa evocação e uma angustiante interrogação sobre o amor e a morte, a paz e a guerra, a totalidade e o nada, o homem e o cosmos, em discorrer simples, lírico, pungente e apelativo, inscrevendo-se numa das tradições africanas, que através da constatação , do lamento e da denúncia, serve de alerta para transformar... (...) «Angola precisa de sonho/ para construir a realidade». Ora, a poesia de Eugénia Neto faz parte desse sonho».
In, https://www.ueangola.com



POEMA

"Asas brancas dos confins do meu sonho”
Dos confins dos meu sonho
Eu estendo asas brancas
Sobre o ódio sobre a dor
Sobre a tristeza e o desespero
Dos confins dos meu sonho
Envio-te o elo da amizade
Que faz palpitar os homens justos
E os faça unir as mãos
E Construir já o porvir
E venham torrentes e vendavais
Plenos de vida e de energia
Mostrar como é puro o meu anseio
Eu estendo asas brancas
Sobre o desespero de querer ser audaz
E ser vencido pela timidez
Devendo avançar e não dar o passo
Fechando-se e metamorfoseando-se
Como crisálidas em casulos
Eu estendo asas brancas
Intercalando-as no caminho dinâmico da vontade
E sobre a impotência de não poder libertar-se
Dos que amarram os homens aos seus erros
Asas brancas dos confins do meu sonho
Para que a fraternidade seja uma conquista
E os homens verdadeiramente sejam homens

Eugénia Neto, in "Foi esperança e foi certeza", UEA 1976



0 comentários :